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quarta-feira, 29 de maio de 2013

O amor místico de Jesus

Roberto de Queiroz

A ciência de Jesus sobre o amor é algo que ficou provado desde sua transitoriedade entre os homens. E tal ciência traz à baila a ignorância dos homens acerca desse tema. Quer dizer, Jesus “amou sabendo, e os homens foram amados ignorando” (Padre Antônio Vieira, Sermão do mandato). Assim, o amor de Jesus sempre manteve um estado estático de união direta com Deus, ou seja, Jesus sabia que eram seus os tesouros da onipotência e que fora gerado de Deus e para Deus voltava.

Nesse sermão, Vieira enxerga o amor de Jesus qual o vê o evangelista Lucas. Nesse particular, achamos conveniente referir um comentário proferido pelo padre Raymond Brown, professor da Union Theological Seminary de Nova Iorque (Veja, 12/04/1995, p. 70). Para Brown, o Jesus de Lucas não foi abandonado pelos seus discípulos, nem se confessa triste na hora da morte. Ele está em comunhão com seu Pai todo o tempo, tanto que, apropriadamente, as últimas palavras do crucificado não são um grito angustiado para seu Deus por quem se sente abandonado, mas um tranquilo “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Lucas 23: 46).

Quanto aos homens, Vieira afirma que, entre eles, o que vulgarmente se chama amor é ignorância, a saber, tem mais partes de ignorância, e quantas tem de ignorância tantas lhes faltam de amor. E prossegue: “Pinta-se o amor sempre menino, porque, ainda que passe dos sete anos [...], nunca chega à idade da razão. Usar de razão e amar são duas coisas que não se ajuntam. A alma de um menino que vem a ser? Uma vontade com afetos, e um entendimento sem uso. Tal é o amor vulgar. Tudo conquista o amor quando conquista a alma; porém o primeiro rendido é o entendimento.”

Podemos argumentar que, por esse critério, Vieira analisa a vulgaridade do amor dos homens como sendo oriunda da ignorância deles, uma vez que esse autor dá ao amor dos homens a caracterização de cupido, que é um menino – e meninice é a idade anterior à razão –, caracterizando assim o amor daqueles como sendo anterior ao uso da razão e incompatível com ela.

Por fim, resta-nos dizer que o Sermão do mandato – pregado na Capela Real em 1645 – é um dos mais belos sermões de padre Antônio Vieira. E, apesar de traçar um paralelo entre o amor de Jesus e o dos homens, sua temática central é o amor místico de Jesus. Por esse motivo, podemos proferir que há uma consonância pragmática entre o amor divino e o de Jesus. Em suma, a equidade do amor de ambos torna-os homogêneos e harmoniosos, de sorte a não existir arbitrariedade entre eles, isto é, o misticismo do amor de Jesus atinge um estado fixo de liame direto com Deus, de modo que o amor de um e outro não vem a ser dois, mas apenas um.

(Artigo publicado na Folha de Pernambuco, 28/05/2013, Cidadania, p. 7)

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