Roberto de Queiroz
A escrita tem papel central na história da linguagem humana, funcionando como um meio de registro e transmissão de ideias. Ao longo dos séculos, assumiu formas variadas, moldadas pelos contextos históricos, sociais e culturais de cada época, tornando-se um marco civilizatório na evolução da humanidade. Ela permite a materialização e a circulação de conhecimentos entre diferentes gerações e culturas. Compreender sua importância pressupõe uma análise de sua trajetória, desde os sistemas primitivos até as convenções contemporâneas.
Antes da consolidação efetiva dos sistemas de escrita como prática social mais ampla, especialmente entre as camadas populares, a comunicação se dava predominantemente pela fala. Durante a transição da Alta para a Baixa Idade Média, a escrita já era usada, mas ainda restrita aos círculos letrados, como o clero e a administração pública. No caso da língua portuguesa, com o surgimento do período etimológico, a partir do século XVI, as palavras passaram a ser grafadas com base em sua origem, embora essa grafia nem sempre refletisse a pronúncia popular. Em 1904, com o início do período simplificado, buscou-se aproximar a escrita da fala, visando maior uniformidade entre a grafia e a pronúncia. Somente em 1907 surgiu o primeiro sistema ortográfico normativo, que, apesar de seu valor, ainda apresentava diversas inconsistências.
O percurso histórico mencionado anteriormente evidencia a importância do código escrito para compreender as transformações no registro ortográfico de uma língua específica. O processo evolutivo da palavra cor ilustra brevemente esse percurso. Influenciada pela forma acusativa latina colorem, essa palavra evoluiu de grafias intermediárias, como color e coor, até alcançar a forma atual. A escrita, portanto, revela pistas concretas sobre os caminhos trilhados pela língua ao longo da evolução linguística humana. Entender isso é perceber como os povos estruturam e comunicam seus valores.
Como sistema de representação, a escrita revela de que maneira uma sociedade organiza o pensamento, compartilha experiências e atribui significados ao mundo circundante. Esse caráter revelador está intimamente relacionado aos estudos linguísticos, que analisam a linguagem humana em seus contextos diacrônico (histórico) e sincrônico (atual). Tal abordagem linguística dialoga com outras áreas do conhecimento, como filosofia, sociologia, pedagogia e psicologia, que auxiliam na compreensão dos contextos culturais, sociais e cognitivos nos quais as transformações da língua ocorrem.
Esse entendimento deve se refletir na prática educacional, especialmente no ensino de língua materna. Sob essa ótica, pode-se argumentar que o ensino de língua materna deve transcender as normas de ortografia e gramática. Ou seja, também deve proporcionar aos estudantes um contato íntimo e contextualizado com diferentes gêneros textuais produzidos no idioma nativo deles. Desse modo, eles não só aprimoram suas habilidades de escrita, como também desenvolvem a capacidade de expressar ideias com clareza, interpretar criticamente os textos que leem e exercer uma cidadania mais consciente.
Em suma, refletir sobre a trajetória da escrita é reconhecer o papel fundamental que ela exerce na construção da linguagem, da cultura e da experiência humana. Ao transitar por registros históricos, épocas e saberes, a escrita se revela como algo que vai além de uma simples técnica. Ela é uma manifestação significativa da vida em sociedade e desempenha um papel essencial no desenvolvimento crítico e reflexivo das pessoas, sobretudo no contexto educacional.
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