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sábado, 9 de maio de 2015

Valores invertidos

Roberto de Queiroz

Na Europa do século 17, o estudo era um privilégio apenas das pessoas que ocupavam uma posição de destaque na sociedade (por nobreza ou riqueza), a saber, o direito de estudar era negado às pessoas pobres. Os professores eram confinados em conventos, servindo ao clero e, obviamente, à nobreza. A maioria das pessoas, por ignorância, contentava-se com poucos privilégios. O que prevalecia, na época, era a ideia de que “assim como um corpo que tivesse olhos em todas as suas partes seria monstruoso, da mesma forma um Estado o seria, se todos os seus súditos fossem sábios; ver-se-ia aí tão pouca obediência, quanto o orgulho e a presunção seriam comuns” (cardeal De Richelieu).

Hoje, porém, o pensamento europeu sobre a educação é outro. Não é o caso do Brasil. Em pleno século 21, a mentalidade de uma parcela significativa dos políticos brasileiros ainda continua arraigada ao pensamento do cardeal De Richelieu (político de quatro séculos atrás). Assim, a má qualidade da educação brasileira ainda é reflexo do pensamento richeliano. Quer dizer, as pessoas ignorantes são fáceis de ser manipuladas, com medidas “emergenciais”, políticas “assistencialistas”, etc., de sorte que elas são, por sua extrema ignorância, responsáveis pela (re)eleição de políticos desonestos e, por sua vez, incompetentes que “atuam” Brasil afora.

Em meio a esse fogo cruzado, estão os professores, que não têm seu trabalho reconhecido pela maioria das pessoas, posto como essa maioria não sabe que goza do direito de ter uma educação de qualidade e, portanto, se porta indiferente em relação às questões que dizem respeito a essa temática. Desse modo, tal maioria não atribui aos professores o papel que lhes é de direito. Algumas dessas pessoas atribuem a eles o papel de um pai, outras lhes atribuem a função de babá. E (pasmem!) há ainda pessoas que atribuem aos professores a função de seus empregados. Infelizmente, são pouquíssimas as pessoas que os consideram como os profissionais que eles realmente são.

Não bastasse tudo isso, os professores ainda são obrigados a dar aulas em salas superlotadas e sem infraestrutura adequada. E (o que não é raro) a ter de lidar com problemas de indisciplina, ficando quase sempre impotentes perante um “estado de direito” que aliena as que pessoas que quer manter ignaras. Assim, os valores são invertidos e os professores muitas vezes são vistos pelos próprios estudantes como um obstáculo que estes têm de enfrentar e vencer. Essa inversão de valores sobrepuja e diálogo entre professores e estudantes e, consequentemente, impossibilita o entendimento. Por esse motivo, os professores têm perdido credibilidade perante os estudantes e têm se tornado impotentes e solitários, numa “luta” que é só sua.

Salvem-se as exceções, é claro!

(Artigo publicado no Jornal do Commercio, 07/05/2015, Opinião, p. 10)