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terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Ave de arribação

Roberto de Queiroz



A expressão “ave de arribação” remete a ave migratória, a qual, durante o inverno, voa para lugares mais quentes. No sentido figurado, pode remeter a andarilho ou a coisa rara. Por esse critério, pode-se argumentar que, no poema “Poesia: ave de arribação”, Admmauro Gommes personifica a poesia. Nesse contexto, ela pode ser vista como personagem que emigra de outras paragens, ou seja, como ave migratória (não é do lugar nem tenciona demorar-se nele): coisa rara.

No poema em tela, Gommes faz uma comparação explicitada entre “poesia” e “ave de arribação”. E, nessa metáfora, ele compara a falta de criatividade (ou de inspiração?) do poeta à de um menino com uma gaiola na mão, com o desejo ardente de capturar uma “ave de arribação”, sendo que essa, segundo o autor, “levanta voo no infinito / se confunde com a amplidão”.

Mais adiante, Gommes diz que o poeta não desiste fácil. “Ele fica na espera (da poesia: “ave de arribação”) / na hora da revoada / pra ver se ela se ilude / e cai na sua jogada”. O fato é que o poeta, às vezes, transita por dias improdutivos nos quais não produz nada. Por outro lado, como diz um adágio popular: “Um dia é da caça, o outro é do caçador.” E, nesse dia do caçador, essa “ave de arribação” (a poesia) perde a noção e vai toda satisfeita ao encontro do menino (o poeta). E ele, astuto que é, em vez de estar com uma gaiola na mão, “lhe prende no alçapão”.

De resto, vale salientar que, a meu juízo, esse é um dos mais bem elaborados poemas de Admmauro Gommes. Não pelo fato de se tratar de um poema de forma fixa (com rimas misturadas e versos heptassílabos), mas pela simplicidade da linguagem e pela sua exímia carga metafórica. Carga metafórica? Sim! Há no texto a metáfora e a personificação, mas é por meio da metáfora que a personificação vem à baila, de modo que predomina a primeira.

(Texto publicado na Folha de Pernambuco, 01/01/2015, Opinião, p. 12.)

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