Roberto de Queiroz
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Reprodução da internet / www.mgovbrasil.com.br |
Num
tempo em que “ternura” é tudo e é época de seca no sertão, conta-se aqui uma
história genuinamente moral sobre a utilidade da primeira amoldada sobre a
segunda.
O
“cortês” federal lança os olhos em torno do céu (a brancura das nuvens está-se
acinzentando):
– Espera
aí, vai chover?
O
“cortês” estadual e o municipal entreolham-se preocupados...
O
“cortês” federal, mais que depressa, procura comunicar-se com São Pedro:
– Vai
chover no sertão? – quer saber ele.
São
Pedro sorri:
–
Sossega, meu amigo. Este ano, durante muito tempo, vai chover no sertão.
– Este
ano? – indaga o “cortês” federal. – A quem vou aferir “civilidade”?
São
Pedro então percebe a preocupação daquele homem e, abruptamente, retruca:
– Quanto
a isso, não sei. Mas, daqui a pouco, eu e o anjo acólito vamos abrir as
válvulas das nuvens e liberar a chuva. Não quer ir conosco? A chuva este ano
vai trazer muitas maravilhas ao sertão. Ajudando-nos, irrigando-o, já está
fazendo sua parte.
Leve
aceno de cabeça e (entre os dentes):
–
“Obrigado” – é resposta do “cortês” federal.
São
Pedro coça a cabeça. Como fazê-lo mudar de atitude?
Porém,
antes mesmo de São Pedro concluir seu raciocínio, chegam o “cortês” estadual e
o municipal.
Está
formada a discussão.
São
Pedro observa tudo de longe.
Um deles
convida São Pedro para aderir a seu partido e faz-lhe uma proposta...
– Não dá
para ouvir isso! – exclama São Pedro. – Vou expulsá-los daqui!
Eles
protestam durante a expulsão.
E São
Pedro, sem nenhum interesse, juntamente com o anjo acólito, abre as válvulas
das nuvens e manda chuva ao sertão.
(Crônica publicada no jornal O Nheçuano, Roque Gonzales, RS, nov./
dez. 2015, p. 5)