Translate

domingo, 3 de agosto de 2025

A centralidade da escrita na história da linguagem humana

 Roberto de Queiroz

A escrita tem papel central na história da linguagem humana, funcionando como um meio de registro e transmissão de ideias. Ao longo dos séculos, assumiu formas variadas, moldadas pelos contextos históricos, sociais e culturais de cada época, tornando-se um marco civilizatório na evolução da humanidade. Ela permite a materialização e a circulação de conhecimentos entre diferentes gerações e culturas. Compreender sua importância pressupõe uma análise de sua trajetória, desde os sistemas primitivos até as convenções contemporâneas.

Antes da consolidação efetiva dos sistemas de escrita como prática social mais ampla, especialmente entre as camadas populares, a comunicação se dava predominantemente pela fala. Durante a transição da Alta para a Baixa Idade Média, a escrita já era usada, mas ainda restrita aos círculos letrados, como o clero e a administração pública. No caso da língua portuguesa, com o surgimento do período etimológico, a partir do século XVI, as palavras passaram a ser grafadas com base em sua origem, embora essa grafia nem sempre refletisse a pronúncia popular. Em 1904, com o início do período simplificado, buscou-se aproximar a escrita da fala, visando maior uniformidade entre a grafia e a pronúncia. Somente em 1907 surgiu o primeiro sistema ortográfico normativo, que, apesar de seu valor, ainda apresentava diversas inconsistências.

O percurso histórico mencionado anteriormente evidencia a importância do código escrito para compreender as transformações no registro ortográfico de uma língua específica. O processo evolutivo da palavra cor ilustra brevemente esse percurso. Influenciada pela forma acusativa latina colorem, essa palavra evoluiu de grafias intermediárias, como color e coor, até alcançar a forma atual. A escrita, portanto, revela pistas concretas sobre os caminhos trilhados pela língua ao longo da evolução linguística humana. Entender isso é perceber como os povos estruturam e comunicam seus valores.

Como sistema de representação, a escrita revela de que maneira uma sociedade organiza o pensamento, compartilha experiências e atribui significados ao mundo circundante. Esse caráter revelador está intimamente relacionado aos estudos linguísticos, que analisam a linguagem humana em seus contextos diacrônico (histórico) e sincrônico (atual). Tal abordagem linguística dialoga com outras áreas do conhecimento, como filosofia, sociologia, pedagogia e psicologia, que auxiliam na compreensão dos contextos culturais, sociais e cognitivos nos quais as transformações da língua ocorrem.

Esse entendimento deve se refletir na prática educacional, especialmente no ensino de língua materna. Sob essa ótica, pode-se argumentar que o ensino de língua materna deve transcender as normas de ortografia e gramática. Ou seja, também deve proporcionar aos estudantes um contato íntimo e contextualizado com diferentes gêneros textuais produzidos no idioma nativo deles. Desse modo, eles não só aprimoram suas habilidades de escrita, como também desenvolvem a capacidade de expressar ideias com clareza, interpretar criticamente os textos que leem e exercer uma cidadania mais consciente.

Em suma, refletir sobre a trajetória da escrita é reconhecer o papel fundamental que ela exerce na construção da linguagem, da cultura e da experiência humana. Ao transitar por registros históricos, épocas e saberes, a escrita se revela como algo que vai além de uma simples técnica. Ela é uma manifestação significativa da vida em sociedade e desempenha um papel essencial no desenvolvimento crítico e reflexivo das pessoas, sobretudo no contexto educacional.

sábado, 5 de abril de 2025

A polarização de opiniões nas redes sociais

Roberto de Queiroz
Em seu livro “A águia e a galinha”, Leonardo Boff afirma que “todo ponto de vista é a vista de um ponto”. Essa afirmação sugere que a compreensão humana da realidade é limitada e influenciada pela forma que as pessoas percebem as coisas. Ou seja, cada indivíduo observa o mundo através de uma lente particular, e esta pode não capturar a íntegra do contexto ou da verdade. Trata-se de um princípio básico, porém frequentemente ignorado no universo acelerado e polarizado das redes sociais, onde muitas pessoas tendem a buscar atenção para si e a exibir o que estão fazendo.

As redes sociais foram criadas com a finalidade de estabelecer conexões entre indivíduos. O propósito era claro: permitir que qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, pudesse se expressar e ser ouvida. É evidente que, por um lado, essas plataformas representam um avanço considerável nesse sentido. Todavia, por outro lado, elas configuram um local em que as opiniões quase sempre se confrontam de forma irreconciliável. Afinal, quem, achando estar com a razão, estaria disposto a aceitar o ponto de vista alheio?

É curioso observar que, nas redes sociais, muitos indivíduos se apegam às suas crenças como se elas fossem absolutas e representassem uma verdade universal. Essa realidade é peculiar e lamentável ao mesmo tempo. O que deveria ser um espaço propício à reflexão e ao compartilhamento de opiniões se tornou um campo de batalhas verbais, onde a arrogância e a prepotência prevalecem sobre o diálogo, a empatia e o respeito mútuos.

As redes sociais estão repletas de pontos de vista isolados, por meio dos quais várias pessoas reafirmam as próprias crenças e valores, ignorando a possibilidade de contraditório. Ali, cada comentário ou postagem é uma porta para um mundo particular que se assemelha a uma bolha de ideias congêneres. Os indivíduos vestem suas ‘verdades’ como armaduras, e as discórdias se multiplicam, gerando distanciamento em vez de aproximação. Opiniões diferentes não se encontram. Elas ficam separadas como ilhas distantes, cercadas por mares inavegáveis.

O cerne do problema não está na divergência de pontos de vista. Ele reside no fato de que um número expressivo de usuários das redes sociais não reconhece que sua visão de mundo é limitada. Além disso, não reconhece que a visão de mundo do seu interlocutor, embora diferente da sua, pode ser igualmente válida.

Em suma, as redes sociais oferecem um palco amplo para exposição de ideias. Mas, nesse palco, quase ninguém está disposto a ouvir com atenção ou a dialogar. Uma forma de minimizar tal problema é entender que as opiniões alheias não são uma ameaça, e sim uma oportunidade de ampliar o próprio conhecimento. Para isso, é preciso se permitir desviar do caminho habitual, adotando novas perspectivas e considerando pontos de vista alternativos.

sábado, 8 de fevereiro de 2025

O conhecimento prévio na leitura

Roberto de Queiroz


A compreensão de um texto é influenciada pelo repertório de informações que o leitor adquiriu ao longo da vida. Esse repertório é chamado de conhecimento prévio e é composto basicamente por quatro segmentos distintos: conhecimento linguístico, conhecimento textual, conhecimento de mundo e conhecimento partilhado.

O conhecimento linguístico envolve a compreensão que uma pessoa tem acerca da fonética, do léxico e das regras de uso de um idioma. Trata-se de um conhecimento implícito, geralmente não verbalizado nem verbalizável, que habilita tal pessoa a falar uma língua de modo automático, ou seja, sem necessidade de uma análise detalhada de suas normas de utilização. Da mesma forma, esse conhecimento habilita o leitor de um texto a estabelecer relações entre fonemas e letras, compreender o significado de palavras e frases, relacionar os significados contidos nos parágrafos e adotar estratégias para antecipar o contexto.

O conhecimento textual refere-se à compreensão que o leitor tem a respeito de sequências textuais classificadas como tipos, de formas textuais classificadas como gêneros e dos elementos distintivos de cada uma dessas sequências e formas. As classificações comuns de tipos textuais englobam narração, descrição, exposição, argumentação, injunção e diálogo. Alguns exemplos de gêneros textuais são telefonema, e-mail, lista de compras, receita de culinária, reportagem, romance, novela, conto, crônica e poema.

O conhecimento de mundo (ou conhecimento enciclopédico) está armazenado na memória de todas as pessoas. Ele pode ser classificado como declarativo (quando compreende ideias relacionadas a fatos do mundo) ou procedural (quando incorpora modelos cognitivos definidos pela cultura e adquiridos através da experiência). Com base nesse conhecimento, o leitor pode formular hipóteses acerca dos conteúdos de um texto a partir de seu título. Além disso, pode criar expectativas em relação aos campos lexicais que serão explorados e fazer inferências para preencher lacunas identificadas na superfície textual.

O conhecimento partilhado está acondicionado na linguagem cotidiana. Isso indica que, durante a leitura de um texto, essa modalidade de conhecimento se constitui por intermédio de elementos comuns ao leitor e ao escritor. Assim, é possível dizer que o conhecimento partilhado representa a parcela de conhecimento de mundo que esses sujeitos partilham durante a leitura. Quanto maior for a partilha de conhecimento acerca do assunto abordado em um texto, mais fácil será para o leitor compreendê-lo. Mas é essencial que haja um equilíbrio entre o conhecimento que é comum ao leitor e ao escritor e as informações apresentadas no texto, a fim de evitar que ele se torne redundante ou de difícil compreensão.

Em face do exposto, é possível afirmar que, sem o envolvimento do conhecimento prévio, não have­rá compreensão textual.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA:

BARBOSA, Araken Guedes. A paráfrase como proposta lin­guístico-pedagógica para uso no ensino de línguas. 2005. Tese (Doutorado em Linguística – Programa de Pós-Gradua­ção em Letras e Linguística). Universidade Federal de Per­nambuco (UFPE), Recife, 2005. (Mimeo).

KLEIMAN, Angela. Texto e leitor: aspectos cognitivos da lei­tura. 9. ed. Campinas, SP: Pontes, 2004.

QUEIROZ, Roberto de. Leitura e escrita na escola: ensino e aprendizagem. Rio de Janeiro: Multifoco, 2016.

sábado, 11 de janeiro de 2025

Alfabetização e letramento na era digital

 Roberto de Queiroz

Este texto tem como título o tema que exploro em meu livro intitulado “A Educação Básica e a Era Digital: alfabetização e letramento na cibercultura” (Editora Dialética, 2024). Nesse livro, eu falo a respeito da importância das tecnologias digitais no processo de ensino e aprendizagem, analisando a interação entre práticas de alfabetização e letramento no universo tecnológico contemporâneo. Com o intuito de aprofundar esta discussão, compartilho aqui a perspectiva de quem já leu o livro mencionado.

Para a professora Zoraia da Silva Assunção (UFRN), trata-se de uma obra que tem relevância para a área da educação pela contribuição dada sobre os conceitos de alfabetização e letramento na era digital. A fundamentação teórica é atualizada e consistente, trazendo os principais autores da área e sendo coerente com a metodologia e os objetivos propostos. Assunção conclui enfatizando que “o autor se envolveu com todo o processo, assumindo responsabilidade pelo projeto. E, quanto à criatividade, ele demonstrou ultrapassar as abordagens convencionais no que se refere ao conteúdo do projeto e à metodologia.”

O professor Glauco Ortolano (Universidade de Montana), por sua vez, afirma que aprecia muito o esforço do autor “em produzir uma obra voltada à educação, principalmente sobre um tema tão pertinente nessa era onde muitos criticam essa nova geração por estar tão apegada aos aparelhos eletrônicos, como se a culpa fosse dela”. Ortolano finaliza dizendo que o livro é “muito objetivo, com o autor encarando a realidade atual de forma a apresentar essas ferramentas como algo inovador e extremamente valioso na alfabetização e letramento dos novos alunos”. É importante destacar que Ortolano faz parte de uma equipe da universidade citada que está desenvolvendo um currículo para alfabetização on-line em idiomas estrangeiros. Um tema semelhante ao do livro em questão.

Não existe uma metodologia única para alfabetizar e letrar os estudantes, seja no contexto digital ou fora dele. O purismo metodológico é irrelevante. O professor deve ter liberdade para aplicar na sala de aula as metodologias que se adéquem melhor às suas particularidades e às da turma em que leciona. Mas, para tanto, ele deve ter embasamento teórico e prático sobre o assunto e a metodologia que deseja aplicar em determinado contexto de sala de aula. É esse caminho que procuro construir, percorrer e partilhar com meu livro “A Educação Básica e a Era Digital: alfabetização e letramento na cibercultura”. Sua leitura é indicada para professores, estudantes de Pedagogia, Psicopedagogia, Letras e qualquer pessoa que tenha interesse no tema em discussão.